martes, 13 de noviembre de 2018

El mito de la sirena en plástico portugués


Al Berto



yo vi
la sirena de plástico despedazarse en la roja sal de las mareas 
                                                                                                 portuguesas
senos tullidos en la sangre de un lápiz de color
en la boca la furia de los viajes: europas américas arabias
mares estrechos donde es posible morir
nuevos países nuevas profundidades delirantes visiones
por entre el coral de tu cuerpo nómada
vestido de neblina y de ríos
breves láminas surcan la memoria de pequeños espectáculos
y tu mano se abre para ofrecernos un huevo
¿o sería el mundo pintado de blanco y amarillo?
yo vi
la sirena de sueño cansado levantarse luminiscente
caminar incierta por la noche adelante
ojos vibrátiles captando la fragancia preciosa de los distantes marineros
                                                                                                                   en celo
los dedos por encima de otros sexos lisos como linos que se deslizan 
                                                                  para dentro de los sueños
inocencia calcárea de los días
medusas muertas
el cuerpo hinchándose con los despojos de un mar
yo vi
la sirena en plástico portugués
crecer de las perlas insomnes de una ostra
y encorvar el cuerpo sobre la hoja de papel
fascinada
abría los labios húmedos para chupar el sexo del marinero dibujado
se escondía después en una grieta penumbrosa del muelle
prolongaba la vigilia del cuerpo en la observación de los astros
mientras tú continuaste dibujando
yo vi
su transparencia de saliva pura atravesar cuerpos y estrellas
sin que tu cuerpo sufriese o su transparencia disminuyera
hasta que la noche sedienta abría camino a las dagas adivinadas
y al sexo en placer silencioso donde peces luminosos trazan en el agua 
                                         las líneas de la palma de la mano
yo vi
la sirena de plástico construir un país
y un velero para evadirse en dirección de otras islas
llevando por equipaje los residuos dados en la costa: botellas blancas de gin nocturno zapatos hinchados paños preservativos usados pedazos de loza embalajes carcomidos cartones de cajas al viento velas de inmensa almadía vestigios de comida rápida peines vidrios filmes maderas fotografías que el tiempo rehusó morder
y navegó
navegó lentamente conoció la sed y el hambre
el frío la nieve de fluctuantes islas la alucinación
yo vi
la sirena embriagada abrir botellas de cerveza con los dientes
y ofrecer flores envenenadas a los amantes
doblada sobre las flores de la vejez se dejaba caer
en el vértigo fortísimo del aguardiente
roía las uñas y el herrumbre de los juguetes
desenterraba de la memoria collares delirantes
restos de rostros carbonizados
arenas cubiertas de oro y de ponzoña
yo vi
la sirena hender su propio cuerpo a golpe de sílex
y tatuar cerca del antiguo corazón un rostro un cereal enfermo
en las venas rasgadas por monstruos marinos y por el miedo
el inmenso miedo del fin de la adolescencia
yo vi
la sirena en plástico portugués abrir un surco de soledad
el precipicio
y negar la falsa miel de la tierra inclinada sobre el olvido
rectángulo de monotonía donde zozobra el vómito
todo enloquece en la punta del lancinante lápiz
las lágrimas el grito
yo vi
la sirena soltar de sus manos el último paisaje vivo
la amapola opiácea de la muerte envolviendo cuerpos
antes de sumergirse para siempre en la oscuridad continua del mar
yo vi
enrojecidas planicies
donde minúsculos animales fluorescentes asemejan ojos muy abiertos
rasgando el confuso rocío con sus colas peludas
enroscándose en el doloroso pulso
transformándose en pulseras de sangre
la serpiente mineral estrangulando el dedo
y en el hombro del mar el adolescente desnudo reclina el cuerpo de agua
dentro del enmarañado de libélulas enfurecidas volando
volando volando
yo vi

(1979)



O mito da sereia em plástico português

eu vi
a sereia de plástico esfacelar-se no rubro sal das marés portuguesas
seios tolhidos no sangue de um lápis de cor
na boca a fúria das viagens: europas américas arábias
mares estreitos onde é possível morrer
novos países novas profundidades delirantes visões
por entre o coral de teu corpo nómada
vestido de neblina e de rios
breves lâminas sulcam a memória de pequenos espectáculos
e tua mão abre-se para nos oferecer um ovo
ou seria o mundo pintado de branco e amarelo?
eu vi
a sereia do sonho cansado levantar-se luminescente
caminhar incerta pela noite adiante
olhos vibráteis captando a fragrância preciosa dos distantes 
                                                                                       marinheiros em cio
os dedos por cima doutros sexos lisos como os limos que escorregam 
                                                                                     para dentro dos sonhos
inocência calcárias dos dias
medusas mortas
o corpo enchendo-se com os despojos de um mar
eu vi
a sereia em plástico português
crescer das pérolas insones de uma ostra
e vergar o corpo sobre a folha de papel
fascinada
abria os lábios húmidos para sugar o sexo do marinheiro desenhado
escondia-se depois numa fresta penumbrosa do cais
prolongava a vigília do corpo na observação dos astros
enquanto tu continuaste a desenhar
eu vi
sua transparência de saliva pura atravessar corpos e estrelas
sem que teu corpo sofresse
ou sua transparência diminuísse
até que a noite sequiosa abria caminho às facas adivinhadas
e ao sexo em prazer vagaroso
onde peixes luminosos traçam na água as linhas da palma da mão
eu vi
a sereia de plástico construir um país
e um veleiro para se evadir na direção doutras ilhas
levando por bagagem os detritos dados-à-costa: garrafas brancas de gin nocturno sapatos inchados panos preservativos usados cacos de louça embalagens carcomidas cartões de caixas ao vento velas da imensa jangada vestígios de comida rápida pentes vidros filmes madeiras fotografias que o tempo recusou morder
e navegou
navegou demoradamente conheceu a sede e a fome
o frio a neve de flutuantes ilhas a alucinação
eu vi
a sereia embriagada abrir garrafas de cerveja com os dentes
e oferecer flores envenenadas aos amantes
dobrada sobre as flores da velhice deixava-se cair
na vertigem fortíssima da aguardente
roía as unhas e a ferrugem dos brinquedos
desenterrava da memória colheres delirantes
restos de rostos carbonizados
areias cobertas de outro e de peçonha
eu vi
a sereia fender seu próprio corpo a golpes de sílex
e tatuar perto do antigo coração um rosto cereal doente
nas veias rasgadas por monstros marinhos e pelo medo
o imenso medo do fim da adolescência
eu vi
a sereia em plástico português abrir um sulco de solidão
o precipício
e renegar o falso mel da terra debruçada sobre o esquecimento
rectângulo da monotonia donde soçobra o vómito
tudo enlouquece na ponta do lancinante lápis
as lágrimas o grito
eu vi
a sereia soltar de suas mãos a última paisagem viva
a papoula opiácea da morte envolvendo corpos
antes de mergulhar para sempre na escuridão contínua do mar
eu vi
avermelhadas planícies
onde minúsculos animais florescentes semeiam olhos muito abertos
rasgando o confuso orvalho com suas caudas peludas
enroscando-se no doloroso pulso
transformam-se em pulseiras de sangue
a serpente mineral estrangulando o dedo
e no ombro do mar o adolescente nu reclina o corpo de água
dentro do emaranhado de libélulas enfurecidas voando
voando voando
eu vi


Trad. Pedro Marqués de Armas (2006). 


No hay comentarios:

Publicar un comentario